A máscara

A máscara nos protege do que vem de fora. É um anteparo colocado entre nossa face e o ambiente, prevenindo que agentes externos sutis adentrem nosso sistema respiratório. Em tempos de pandemia, vemos determinações enfáticas para o uso da máscara, por motivos absolutamente compreensíveis e plausíveis. Mas, o ver além nos incita e nos provoca.

Este mesmo anteparo é, metaforicamente, uma separação entre nós e a natureza. A máscara simboliza a ação nociva da humanidade, no desrespeito ao meio ambiente, na desatenção com nossas ocupações, quase sempre grosseiras. Tampamos nossas bocas com pano e já não se pode ver o que dizemos. Somos elementos que circulam no mundo dotados de um caráter de estranheza. Somos a realização da ficção científica que sugere um futuro distópico. Somos os mestres desta distopia, e não o vírus. O vírus é a natureza sendo a natureza. E se ela nos prejudica é porque nós a prejudicamos. Os elementos vivos naturais do planeta nos levando a pensar nas nossas ações.

A máscara é o sinal evidente que nos tornamos seres descontrolados em um planeta que nos confronta.

A máscara torna-se carapuça.

Resistentes que somos ao ato de morrer, agimos pra permanecer. Mas essa ação deveria ir além do vestir as máscaras. Deveria ir no sentido de admitirmos nossa fracassada estratégia de existência voltada ao materialismo. Nosso afã destruidor travestido de necessidade de progressão ocupacional: é o terreno que some para o amontoado de concreto, é a praça que sofre para existir, é o descuido estético na realização de um projeto de cidade, é a maldade com os povos ancestrais. A máscara é a humanidade assumindo sua carapuça. Só que chamar a natureza para a briga é burrice. Sempre perderemos. Porque a natureza é fluxo. Com um peteleco, podemos sair dessa planeta. E em questão de anos, nossas estruturas físicas restantes, sinais de um povo, serão ocupadas por galhos, plantas, goteiras e verdejantes exércitos silenciosos de velocidade baixa, mas constante.

Em última instância, você veste a máscara para proteger-se de você mesmo. Daquilo que sua própria raça se tornou. Somos nós agora os personagens estranhos a circular pelas ruas, nos entreolhando com cinismo enquanto os dias continuam ensolarados e o planeta respira novamente outros ares mais limpos: o Himalaia aparecendo, os silêncios sendo restabelecidos para desenhar a nova estética de um planeta em busca de cura. 

Entretanto, somos os mesmos diante da morte. Nossas partículas suspensas na respiração são tóxicas. Nos damos os cotovelos para nos cumprimentar. Usamos divertidas estampas nas nossas máscaras, detalhes criativos perante nossa miséria. Um luxo colorido, indicativo de uma resistência afirmativa perante o caos. Ainda que a máscara estampada seja nosso inegável anteparo incriminador, ela é uma afirmação: é a humanidade dizendo, à beira do precipício, que podemos viver melhor através da arte. Podemos desligar nossos tratores e pegar um bonito pano esquecido para botar na cara. E o esquecido torna-se a luz em nosso rosto escurecido. 

Eu vi um filme outro dia, desses futurísticos, onde no final o personagem fugia de uma cidade violenta e tosca. Ele escapava para uma bela paisagem, ali metáfora de um futuro mais promissor e bonito. O filme termina. Mas vive em mim e na mente do personagem a possibilidade de criar uma vida futura repleta de beleza.

É hora de mudar. Porque, pelo visto, o planeta não tolerará nossa ignorância por muito mais tempo.

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